Enquanto a claridade do dia se aproximava, como de costume, todos os
turistas se preparavam para mais um dia de sessão de fotos. O assunto era o
mesmo, fotografar os campos floridos.
Victor também estava ansioso para a expedição. Mas não pelas flores ou
pelo campo, como a maioria dos visitantes, e sim encontrar a donzela dos seus
sonhos e pelas bancadas de flores que enfeitavam e deixavam toda a rua com um
ar diferente.
Todos já estavam prontos quanto a ele realmente estava ainda no banho.
Odiava ser apressado, então preferia ficar por último. Não ligava de chegar
sozinho nos lugares; mas se tratava de uma excursão.
Sua pele branca e pálida se tornava levemente avermelhada no verão. Ao
se despedir no banheiro, se viu encarando no espelho da pia. Resolveu fazer um
coração. Talvez não tivesse se acostumado com seu novo reflexo. Talvez ainda
não soubesse, mas Victor já não era o mesmo garotinho de sempre. Pelo menos não
por fora.
Desde o último ano, seus cabelos negros e lisos cresceram, e seus olhos,
que antes só expressavam timidez, agora, com um pouco de maturidade, esbanjam
sensualidade.
Depois do banho, pôs sua camisa branca preferida, sua calça vermelha e
procurou por todo o quarto seu coturno marrom.
Fechou a porta e, quando chegou à porta do ônibus, voltou para pegar a
câmera. Enquanto andava até o quarto, era impossível não se lembrar do que mais
desejava na viajem. Para fugir dos seus pensamentos, começou a assoviar sua
música predileta.
O quarto estava como deixou. Cama de casal, flores no criado mudo. A
iluminação devido à janela aberta. Enquanto olhava para os lados e caminhava
até a mala em busca da câmera (e que fizesse ter vontade de voltar para o
ônibus), já parava de assoviar, achou a câmera.
Tudo ia bem até avistar o motorista do trajeto. O motivo pelo qual tinha
se atrasado. Desviou rapidamente e entrou se sentando na primeira poltrona, sem
que o notassem. A ideia de ele ter vindo para a festa das flores o assustava.
Era uma sensação nova e estranha, que apertava o peito, mas que o fazia imaginar
coisas. Ter esperança.
Enquanto se recuperava daquela chata sensação, entrou no ônibus uma
garota. Bruna não usava brincos ou colares, mas amava preencher seu tempo com
fotos aleatórias. Dizia que cada uma delas tinha um significado diferente.
Comprou aquela câmera para registrar as primeiras imagens como profissional.
As rodas em movimento na estrada, tanto que acabou no destino final.
Aquela festa atraia tantas pessoas, que ele esqueceu que tinha uma garota no ônibus.
Desceram do veiculo. Caminharam então em direção ao evento. Mas, o garoto foi
em direção às tulipas.
As pessoas estavam eufóricas, mas não maiores que a vontade de enxergar
tudo aquilo através das lentes que capitava os momentos. De alguma forma, aquela
sensação o fazia bem. Como não estava acompanhado, nos minutos que ficou
tirando as fotos, buscou um rosto que o faria se sentir seguro nas pessoas ao
seu redor. Sem sucesso, aguardou a sua vez e torceu pela sorte de que fosse
alguém, no mínimo cheirosa.
Ele queria companhia para andar no cisne de pedal no lago.
Enquanto olhava para o lado do lago e sorria ao ver aquele casal idoso
se divertindo, sentiu um perfume familiar no ar. Em menos de cinco segundos
todas as lembranças voltaram, aquela sensação de antes também. Era ela. Ninguém
mais que conhecia usava tal perfume importado. Era o dela.
O destino às vezes gosta de brincar com a nossa coragem. Talvez ele
quisesse saber se nós conseguiríamos diferenciar passado, presente e futuro.
Saber se nós realmente queremos que esses momentos signifiquem coisas
diferentes.
E, naquele momento, ela desejou que sim. Que de suas lembranças fossem
verdade, que o Victor se virasse e dissesse que o monitor dos cisnes colocou
uma embarcação a mais porque ele disse que sua namorada estava por chegar. Mas
nem ele se virou, nem ela teve forças para dizer ou fazer algo. Ficou ali
parado e sentindo cada parte de seu coração pulsar, como se fosse uma espécie
de veia artéria (aquela do corpo humano).
A fila a frente deles já estava quase acabando quando o monitor
perguntou para o jovem de cabelos negros e olhos brilhantes se ele tinha
companhia. A resposta foi não, então o homem de aparência alegre olhou para
Bruna e fez a pergunta. Sem dizer nada, ela apenas balançou a cabeça negativamente.
- Então vocês vão juntos.
Em menos de um segundo, essa frase se repetiu várias e várias vezes na
cabeça da jovem e do garoto. Suspirou fundo, mordeu os lábios e, finalmente,
encarou o rapaz.
- Por mim, sem problemas.
A reação dele foi justamente contrária a dela. Sem conseguir disfarçar a
surpresa de tamanha coincidência, ele, ainda sem acreditar no que estava
acontecendo, caminhou ao lado da garota até os assentos da embarcação.
Ele desejou alguém cheirosa, e conseguiu. Nos primeiros minutos, antes
da embarcação realmente funcionar, ele não disse absolutamente nada. Apenas a
olhou fixamente, sem acreditar que aquela era “sua Bruna”.
Umas horas pode não ser muito tempo, mas é o suficiente para um
sentimento de amor parar de ser passado. A cicatrização pode ser longa e
dolorosa, mas basta um olhar para que as centenas de pensamentos ela- não- te-
merece ou você-não foi-feito-pra-ela percam todo o sentido.
Victor tinha muito a dizer, mas naquele momento, queria mesmo era
escutar. Uma explicação que desse sentido a tudo. Ou, sei lá, uma certeza que o
fizesse nunca mais olhar na cara dela.
A embarcação então estalou e começou a flutuar. As águas fazia tudo
aquilo parecer ainda mais surreal. As pessoas lá trás ficavam distante, e ela
continuava ali, bem do seu lado, do mesmo tamanho.
- Meu coração sentiu sua falta durante todos esses anos.
Parece que ele não veio pra explicar. Veio para confundir ainda mais.
- Pois, pra mim, você é indiferente.
Vai encenar aquela personagem durona que não acredita no amor? Sério,
Bruna?
- Sei que é isso é mentira. Você não deve imaginar, mas eu ainda estou
machucada, eu sei o que você sente, sei como você se sente. Acredite que a dor
de causar tudo isso é talvez maior do que a sua.
- Parece que a mulher ainda não perdeu aquela mania de sempre se fazer
de coitada da história.
- Não, você não entendeu. Só quero que saiba que também dói em mim.
- Isso não me importa. Quero mesmo é que você e toda a sua pseudo consequência se danem. A vida é uma questão de escolha, e, nesse mesmo
dia, você escolheu me tirar de vez da sua vida.
- Sabe, Victor, eu conheci você numa faze dolorida. Sempre fui à mulher de
seus sonhos. Achei seu coração diferente de todos os homens com quem costumava
lidar lá em Leopoldina, então minha paixão cresceu. Mas não sendo amor.
Acredito que isso também tenha acontecido com você. Quando nos demos conta, já
estávamos perto um do outro. Tudo isso é incrível, mas, com as horas, nasceu em
mim, paralelamente, uma vontade de saber como era a vida se você.
- Não acredito que você está dizendo isso – disse o jovem enquanto
sentia uma lágrima escorrer.
- Calma. Deixa-me terminar, ok? Eu jamais teria coragem de trair você.
Então, resolvi, antes de começar qualquer coisa, terminar. Fiz isso no pior
momento de todos, no pior lugar de todos. Foi perto das flores.
- Eu acabei de terminar um relacionamento, jamais teria feito isso se o
amava de verdade. Mas aconteceu. E fui sincera com você, disse que não queria
pra fazer você sofrer menos. Odeio esse tipo de mulher que não quer, mas
continua iludindo.
- Oh, você tem valores. Que
bonita.
- Eu não estou aqui pra fazer com que você fica pra mim, eu estou aqui
pra que me entenda. Talvez eu tenha que te perder pra me lembrar do quanto você
é diferente. Que eu não tenho motivos pra querer descobrir como será minha vida
sem você.
- Então porque diabos você não veio me dizer isso antes?
- Não é tão simples como parece. Eu não sou tão corajoso quanto você,
mulher, acredito que saiba disso. Passei todo esse tempo visitando seu coração,
lendo seus pensamentos e não me perdoando por não ter feito isso, virar
realidade? E se eu não me perdoava, por que você faz isso?
- Porque, agora eu te amo. Só por isso, seu idiota.
Então, quando ela terminou de dizer isso, a embarcação parou no meio do
lago. Eles se olharam, e o cheiro o envolveu novamente. Ninguém precisava dizer
mais nada, só fazer. Ele fez. Beijaram-se lentamente. E fizeram com que os
últimos minutos que teriam na volta com o cisne não passasse de uma simples
descida da embarcação, e, vejam só, agora eles estão lá no lago, e o mais
importante, juntos.
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